Mais um excelente texto do nosso colega Caça Gambuzinos:
Passado pouco mais de um mês da saída de Rui Vitoria do comando técnico do Benfica, já podemos fazer uma avaliação mais justa e calculista sobre os seus três anos e meio de trabalho.
Começando pelos factos, Rui Vitória ganhou 6 títulos, 2 deles Campeonatos Nacionais.
Se Rui Vitória tivesse saído do Benfica no final da sua segunda época (com o tetra no bolso) teria sido para sempre recordado com um dos grandes senhores a passar pelo banco do nosso clube. O problema é o descalabro a que se assistiu depois.
Descalabro esse para o qual, sejamos justos, muito contribuiu a delapidação do plantel com que a direção brindou o então treinador do Benfica. Relembramos que saíram quatro titulares (!) e que nenhum dos seus substitutos apresentava a qualidade do jogador que foi vendido (Ederson, Nelson Semedo e Lindelof) ou despachado (Mitroglou).
Com um plantel mais fraco, Rui Vitoria tinha de mostrar saber técnico e tático para colmatar o talento perdido. Não demonstrou. A época foi paupérrima, com o corolário do embaraço a ocorrer na Liga dos Campeões, na qual a prestação do Benfica foi, numa palavra, vergonhosa.
Depois da epopeia europeia, o Benfica perde o título em casa, contra o grande rival, num jogo em que Rui Vitoria só não meteu em campo mais trincos para segurar o pontinho porque só podia fazer três substituições.
No ano seguinte chegam vários reforços (dos quais apenas Vlachodimos não é despachado em janeiro), mas a verdade é que a qualidade de jogo do Benfica não melhora.
Não há fio de jogo. Não há jogadas estudadas. O Benfica ganha fruto de genialidades individuais. Se há trabalho tático nos treinos, o mesmo não é visível nos jogos. A banalidade do discurso do mister arrasta-se até ao relvado e é uma agonia ver os jogos do Benfica.
A contestação dos adeptos, naturalmente, sobe de tom. E o discurso “choninhas” do Rui degrada-se de jogo para jogo, indo até ao ponto de afirmar não sentir contestação dos adeptos (quando no estádio já havia quem levasse lençóis de cama de casal para abanar na direção do mister).
E quando a situação parecia insustentável e a Direção estava de acordo em prescindir dos serviços do treinador, há um épico volte-face, protagonizado por Luis Filipe Vieira e uma luz (afeta a outro clube, certamente), cuja identidade um dia saberemos quem é.
Resultado? Mais um mesito de mau futebol que culminou com a mais do que esperada troca de treinador, com Rui Vitória a ir pregar a máxima “o caminho faz-se caminhando” e o “se fosse fácil não era para nós” para a Arábia Saudita.
E, para mim, foram exatamente estas “frases feitas” que mancharam o percurso de Rui Vitória, naquela que é uma das suas grandes lacunas enquanto treinador de equipa grande:
não tem discurso que se adeque à dimensão do clube que representa, enraivecendo os adeptos com desculpas de mau pagador, discurso monocórdico e vazio de conteúdo e, essencialmente, não assumindo qualquer responsabilidade pelo futebol oco e agonizante que a sua equipa protagonizava.
Depois de um jogo que a sua equipa não ganhou e / ou jogar pauperrimamente, um adepto de um clube grande não quer ouvir dizer “fizemos o suficiente” ou “temos muita confiança no nosso trabalho”. Nem quer saber quem é um bom chefe de família e quem não é. Quer um murro na mesa e que se assuma responsabilidades. Quer que se assuma que se jogou mal e que a partir da agora vai haver mais raça e atitude. Quer que joguem os melhores e que os RedPass sejam apenas para os sócios. E, mais importante, quer que aquele seja apenas um jogo mau e que os jogadores mostrem qualidade já no jogo seguinte.
Um adepto de um clube grande não admite que o seu treinador lhe diga que “temos de saber conviver com o insucesso”.
A falta de frontalidade e o alheamento da realidade face ao péssimo desempenho desportivo da equipa não caiu nada bem no seio dos adeptos e sócios do Benfica. Rui Vitoria demonstrava constantemente que via um jogo diferente de toda a gente, parecendo, amiúde, satisfeito com a pobreza futebolística da sua equipa. O que é impensável no Sport Lisboa e Benfica.
Os discursos de Vitoria na hora da derrota eram capazes de irritar o mais pacifico dos monges budistas. A mim, pelo menos, causavam-me uma urticária danada e uma vontade tremenda de perfurar os tímpanos com um compasso.
E embora muitos apontem, e bem, que Rui Vitoria não é o principal responsável pelo falhanço da última época e meia, a verdade é que quem ia para as conferências de imprensa debitar banalidades era ele.
Está, então, na altura de fazer um ponto prévio: ao contrário do que este texto possa aparentar até aqui, eu fui um dos defensores de Rui Vitoria até outubro de 2018.
Embora a fundamental capacidade tática do mister estivesse longe de me convencer, a soma das restantes partes do seu perfil de treinador tinha, para mim, saldo positivo.
A postura do Rui foi uma lufada de ar fresco após seis anos de Jorge Jesus e temos sempre de enaltecer quem neste mundo de parasitas que é o futebol apresenta uma postura digna e de valorização do desporto. E, essencialmente no seu primeiro ano, foi atacado por todo o lado e soube, quase sempre, responder com elevação e de acordo com os valores que o SLB deve promulgar.
E não nos podemos esquecer que foi ele que nos deu o tricampeonato, com recorde de pontos e que foi, indiscutivelmente, um dos campeonatos mais saborosos de sempre, ganho ao Sporting de Jesus.
Foi aqui que o Rui mostrou a sua principal qualidade: capacidade de unir um balneário em torno de um objetivo comum. E para além dos dois campeonatos, o legado de Rui Vitória estende-se também à concretização da tão esperada aposta na formação que rendeu muito ao nosso clube quer financeiramente quer, finalmente, desportivamente. Antes dele, Bernardos e Cancelos eram emprestados “com umas cláusulas”.
Por isso é que eu agradeço ao Rui pelos dois excelentes primeiros anos e defendo que tem mais competência que aquela que demonstrou na reta final da sua estadia no Benfica. Infelizmente, a última imagem é sempre a mais forte, pelo que se tivesse tido o sentido oportunidade de ter sabido sair na altura certa, teria saído por cima e... com margem de manobra para um dia voltar a passear aquela gravata foleira pelo banco do Benfica.
Com o arrastar daquele período de agonia, quer do ponto de vista do espetáculo futebolístico, quer do ponto de vista comunicacional, o nosso amigo Rui Carlos não só perdeu a oportunidade de poder haver algum saudosismo pelo seu período enquanto treinador, como duvido seriamente que algum dia volte a treinar um clube da dimensão do Sport Lisboa e Benfica.
Com muita pena minha, pois desejo-lhe os maiores sucessos pessoais e profissionais. É aquele caso de que até simpatizamos com o tipo e achamos que é genuinamente bom moço, mas é preciso mais.
Embora despedir um treinador não possa ser uma solução para ser aceite de ânimo leve e que Vieira, e bem, nos últimos anos resistido à chicotada psicológica, mesmo quando muitos pedem a cabeça do treinador, a verdade é que há uma máxima universal para qualquer clube de futebol: quando o plantel já não acredita na capacidade do treinador é difícil. Muito difícil.
TEXTO DA AUTORIA DO BENFIQUISTA CAÇA GAMBUZINOS