Há um muçulmano que é líder na sua mesquita e que a ler o
Corão é uma daquelas máquinas da oratória, entusiasta, uma autêntica fonte
inspiradora capaz de inundar de fé e encher a caixa das esmolas com o muçulmano
que o ouve lá longe da última fila. E a igreja católica contrata-o para ser
padre numa das suas paróquias, coloca-lhe uma bíblia nas mãos e diz-lhe “Agora trabalhas para nós, ide e professai a
fé cristã e inspirai os nossos cristãos”. E passa a chamá-lo de
profissional da fé.
Também no Parlamento em Lisboa, há lá um deputado da CDU
que Meu Deus, quando o homem se levanta da cadeira e vocifera em voz alta as
suas ideias, a plateia levanta-se de pé e aplaude-o até doerem as mãos, até os Deputados
dos partidos da oposição, tal é a veemência e a razão que o homem coloca em
cada um dos seus argumentos! E o PSD pensa que este gajo a trabalhar para nós é
que era, garantia-nos no mínimo mais 10% de votos nas próximas eleições. Fala
com ele, passa-lhe o cheque, e o homem salta da tribuna da CDU para a do PSD. E
o PSD passa a chamá-la de profissional da política.
Já nos Estados Unidos, e depois de se ter visto o nível
dos últimos dois candidatos à presidência do país e que depois deu no que deu,
os americanos estão a pensar agora contratar um presidente francês. Ok, não é
americano, mas é um excelente profissional num mundo cada vez mais sem
fronteiras.
Faz sentido
comparar o futebol a países, a partidos ou religiões? Para mim faz e não o
consigo ver de outra forma! Não significa que o francês seja melhor ou pior que
o americano, que o cristão seja melhor ou pior que o muçulmano, que a CDU seja
melhor ou pior que o PSD ou nem sequer que o Benfiquista seja melhor ou pior
que o Sportinguista.
Não há aqui
melhores nem piores, mas há algo de muito próprio em ser-se de um ou de outro,
algo que nos distingue automaticamente, e que se somos de um não podemos ser do
outro, e que se para nós é igual ser de um ou do outro então o erro maior foi achar
que éramos de algo quando na verdade nunca fomos parte de nada.
Porque senão,
se não existe razão válida para sermos de um ou do outro, passamos então a ser
todos amigos dentro do campo (fora dele continua a fazer todo o sentido que
continuemos a sê-lo), e a gente só vai à bola vestidos com camisola diferentes porque
é bonito e dá cor às bancadas, e damos todos as mãos e batemos palmas ao
futebol, porque o que a gente gosta é de jogadas bonitas e desde que haja
jogadas bonitas tanto nos dá se a bola entra numa baliza ou na outra.
E como eu
acho que o futebol não pode ser vivido assim (ou perde todo o sentido), não
posso também ver sentido nenhum na forma como adeptos ferrenhos de outros
clubes entram na nossa casa como Profissionais por Dá Cá Aquela Palha, para passarem a ser peças fulcrais de uma
máquina clubística cuja maior e ÚNICA força é os muitos milhões de adeptos que
intrinsecamente sentem o Benfica de forma totalmente diferente dessas pessoas.
Bem Redmoon, então por essa ordem de ideias, treinadores
e jogadores também são profissionais e também só deveriam representar os seus
clubes de coração e nunca nenhum outro. Argumento válido mas aqui, algumas considerações:
1. Em
primeiro lugar a de até mesmo nos dias de hoje onde é o dinheiro que impera bem
mais do que o amor à camisola, um Benfiquista ferrenho só vai jogar para o
Sporting SE: for dispensado do
Benfica, SE o Benfica não lhe pagar
o que o Sporting paga, SE o Benfica
não o quiser, e por último SE não
houver um clube melhor do que o Sporting que o queira.
E por isso se entende por exemplo que um treinador como
Jesualdo Ferreira, seja dispensado do Benfica e, abrindo-se para ele uma porta
no FCPorto entre por essa porta; já não se entenderia que um treinador como
Vilas Boas, adepto portista assumido, forçasse a saída do Porto quando o Porto
o queria manter e, tendo meia Europa atrás dele, escolhesse vir treinar o
Benfica.
2. O segundo,
e para mim o mais importante, porque é a premissa que justifica a flexibilidade
que todos temos de ter nesse aspeto: É possível ter no balneário do Benfica
gente que só torça pelo Benfica desde pequenino? A resposta é sim, é! Só que
aqui a escolha que os adeptos têm de fazer é simples: Queremos ter só Benfiquistas
no balneário mesmo que acabemos sempre em oitavo lugar no campeonato, ou
queremos um Benfica competitivo e que ambicione ganhar tudo e que para isso
tenha de recrutar os melhores de um universo bem maior? E aqui a resposta é
clara, pelo que todos entendem os moldes do futebol moderno como um mal
necessário em nome da grandeza que reclamamos para o nosso clube, ainda assim criando defesas e cada vez menos apego a cada um dos "nossos" jogadores, que já todos sabemos o que a casa gasta!
E essa é pois a grande diferença, quando essa premissa
falha em relação a ALGUNS dos profissionais da classe dirigente que trabalham
na NOSSA casa:
Mal do Benfica se um dia tiver de chegar a hora (pelos
vistos chegou) de, de um universo de 6, 7 ou 8 milhões de Benfiquistas, não se
arranjar um advogado, um Diretor de Comunicação, um chefe de lavandaria, um
speaker ou um gestor competentes, que reúnam ainda o requisito não menos
importante de sentir o Benfica como o mais fervoroso dos adeptos e ninguém por
em causa o lado da barricada em que está, e que quando o nosso nome seja posto
na lama ao menos que o seja por um dos “nossos” e todos cá estarmos depois para
o condenar ou sermos solidários!
Há razões
válidas para esta realidade que acontece no Benfica, para esta salada de frutas
profissional onde já ninguém sabe quem é quem, onde vivem profissionais que quando
ganham também choram pelos que perderam, e que quando perdem também vibram com
outros que ganharam, e onde só os adeptos continuam a ser aqueles que ganham e perdem por inteiro?!
Para mim não,
mas isso sou eu que devo ser demasiado romântico!