Exclusivo: Breve análise às contas da SAD do SL Benfica (Parte 2)

No passado dia 1 de março foram publicadas as contas da SAD do Benfica referentes ao semestre findo em 31 de dezembro de 2018. Vários comentários às mesmas já foram feitos, pelo que vou procurar não repetir o que já foi dito.

Em primeiro lugar, sobressai o aumento substancial dos rendimentos (36 milhões de euros) em resultado do acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões da UEFA e do novo modelo de distribuição de receitas associado a esta competição. 

Esta situação vem claramente mostrar que há duas realidades paralelas para os clubes europeus: aqueles que competem regularmente nesta fase da competição (e nas fases seguintes) e aqueles que se limitam a assistir a tais fases pela televisão. 

Ou seja, aqueles que competem para ganhar alguma coisa e aqueles que competem para distrair a rapaziada. Ou ainda aqueles que chamam a atenção dos grandes players internacionais dispostos a investir muitos milhões no futebol e aqueles que são irrelevantes para este segmento de mercado. 

Resumindo, a realidade de um clube português que não compete regularmente nestas fases da Liga dos Campeões da UEFA está mais próxima da de um clube dos distritais do que da de um dos colossos do futebol mundial… e a ausência nesta fase durante 2 ou 3 anos consecutivos leva a que seja impossível apanhar o comboio dos grandes. 

Não era muito difícil perceber esta dicotomia e também perceber que apenas com equipas competitivas se pode garantir este objetivo. O que já é difícil perceber (diria impossível) é como a atual liderança do Benfica quase deitou fora a possibilidade de estar presente nesta fase da Liga dos Campeões na presente época quando se absteve de investir na conquista do penta na época passada. Isto é gestão danosa e não pode ser ignorada.

Se os rendimentos registaram um aumento substancial, conforme atrás referido, também é verdade que os gastos aumentaram bastante. E este segundo aspeto é mais preocupante porque tem a ver com eficiência das operações, algo de que a atual liderança faz bandeira como parte integrante do tão badalado modelo empresarial de gestão do clube e da SAD. 

Para começar, temos o considerável aumento dos gastos com o pessoal. 

Um aumento de quase 50% que se traduz em mais 16,2 milhões de euros despendidos em apenas 6 meses! Como é isto possível numa organização que prima pelo rigor da gestão? 

É referido no relatório e contas semestral que tal se deve a um esforço da administração da SAD no sentido de segurar talento. Ou seja, em renovações milionárias com atletas em final de carreira e já na curva descendente da mesma (Luisão, Jonas, Sálvio, Pizzi … acrescentar, por favor, mais 2,9 milhões de custos da renovação com o Sálvio) e ainda na contratação de atletas que, à excepção de Vlachodimos, deram contributo nulo à equipa na presente época. Isto não parece ser apanágio de organizações que gerem com rigor e constitui um esbanjamento de recursos que vão fazer muita falta para segurarmos os talentos emergentes que serão os alicerces do sonho europeu: João Félix, Ruben Dias, Ferro, Gedson, Florentino, … 

Por outro lado, temos ainda um aumento considerável das remunerações variáveis de 6,8 milhões de euros. Refere ainda o relatório e contas que tal se justifica pelos prémios pagos aos atletas e aos técnicos pelo acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões. Trata-se de 20% do incremento nos rendimentos resultante deste acesso, o que parece ser claramente desproporcionado. Ainda para mais que o Benfica tinha a obrigação de garantir o acesso a esta fase da prova, atendendo ao valor do plantel dos restantes clubes que participaram nas pré-eliminatórias. 

Que tipo de mensagem se transmite aos atletas com este tipo de incentivos? Que a época está feita com o acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões? Que eliminar clubes com menos recursos e prestígio na europa do futebol é um grande feito? 

Mais uma vez estas práticas de recompensa dos colaboradores não parecem ser atributo de uma organização que prima por um modelo empresarial de gestão rigoroso. É antes apanágio de gestores com miopia estratégica que gerem de forma reativa e sem planeamento.

Por último, ainda em relação aos gastos com o pessoal, seria interessante perceber a que respeitam os 3 milhões de indemnizações pagas no semestre. Como essa informação não é proporcionada aos utentes das demonstrações financeiras (onde se incluem os acionistas, os sócios e os adeptos em geral), é legítimo especular se as mesmas não terão a ver com a rescisão de Luisão … cuja renovação de contrato por valores alegadamente milionários é mais um exemplo de falta de rigor na gestão do clube e da SAD.

E o que dizer do aumento inexorável do número de colaboradores da SAD, Benfica Estádio e Benfica TV? Já são mais de 530 pessoas! Alguém consegue explicar o que fazem 88 colaboradores na Benfica TV?

Quando falamos de aumentos substanciais nos gastos da SAD, teremos obrigatoriamente que falar do aumento nos gastos com fornecimentos e serviços externos … um clássico nas contas da SAD. 

Não seria, assim, surpreendente observar, mais uma vez, um aumento nesta natureza de gastos. Mas é! A atual liderança do clube e da SAD insiste em surpreender-nos consistentemente com a imaginação que demonstra para alcançar esta magnitude de aumento dos gastos. 

Depois de eu já ter referido aqui os aumentos consideráveis nesta rubrica nos últimos anos, consigo ainda ficar surpreendido com mais um aumento, desde vez de 8,5 milhões de euros em apenas 6 meses! Esta quantia daria para segurar alguns dos atletas que a atual liderança vai, inevitavelmente, deixar sair nos próximos tempos com o argumento de que não é possível segurá-los quando lhes oferecem salários muito elevados noutros campeonatos. 

A atual liderança tem de ser confrontada com este aparente contrassenso, de que não se retém atletas determinantes no plantel para não se lhes pagar salários mais elevados e depois esbanjar-se dezenas de milhares de euros em gastos que ninguém consegue perceber (nem a atual liderança ajuda a perceber). É sua responsabilidade o conjunto de decisões que conduzem a estas incoerências com graves implicações no que verdadeiramente interessa: o sucesso desportivo do Benfica.

Uma nota adicional sobre o aumento de 2,2 milhões de euros dos gastos com fornecimentos e serviços externos relacionados com deslocações. De acordo com o que é referido no relatório e contas, tal deve-se à digressão efetuada na pré-época aos Estados Unidos e aos 2 jogos fora das pré-eliminatórias de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões. Neste contexto, será legítimo questionar se vale a pena efetuar tais digressões.

De resto, nada de novo nas contas: comissões de 11%, mais 5,5 milhões em obras no Seixal e a omnipresente obsessão pela redução do passivo… exceto o facto de estar para breve uma assembleia geral extraordinária cujo ponto único será a deliberação da venda para a Benfica SGPS das participações maioritárias detidas pela SAD na Benfica Estádio e na Benfica TV. 

Em relação a esta operação, o relatório e contas semestral não é muito pródigo em explicações. Não se percebe qual a razão para tal. 

Será que se pretende isolar estes ativos para os mesmos serem vendidos a terceiros, ou para a sua exploração ser cedida temporariamente? 

Será que se pretende retirar estes ativos da SAD para facilitar a entrada nesta de um investidor externo? 

Será que o principal motivo para esta operação é salvaguardar estes ativos da contaminação de contingências que impendem sobre a SAD? 

Ou é apenas para permitir à gestão da SAD focar-se no futebol? Existem outras razões? 

O relatório e contas não clarifica, mas o seguinte é certo: a concretizar-se a operação, a SAD deixa de preparar demonstrações financeiras consolidadas a partir do exercício de 2019/2020 e diminui a visibilidade do que se passa nas sociedades a alienar à Benfica SGPS.