Eu não cresci com um Benfica ganhador e
dominador... Eu não sou Benfiquista por culpa de dezenas de vitórias a que tenha assistido... Eu comecei a apreciar
futebol na década de 80, altura em que Benfica e Porto dominavam e repartiam os
títulos do futebol português...
O princípio dos anos 90 teve ainda résteas de um Benfica
forte, que se esfumou em 1993/1994 com o nosso título de campeão nacional, obra
de João Vieira Pinto, numa altura em que o Benfica revelava já muitas
fragilidades e a queda se anunciava próxima.
Nos
15 anos seguintes, assisti a um Benfica fraco, a um Porto bastante mais forte,
ajudado por sinais evidentes de corrupção. Hoje é fácil falar no apito dourado,
mas quem se lembrar mais para trás lembra-se seguramente de um famoso programa
televisivo chamado “Os Donos da Bola”, que quase todas as semanas trazia à
baila o nome FCPorto associado a muitas jogadas escuras que à imprensa da época
ainda era permitido publicitar, e que Pôncio Monteiro se via às aranhas para
refutar.
Por isso, quando o apito dourado explodiu, não
foi surpresa para mim nem para ninguém. Mas nunca me agarrei demasiado a isso.
Aos meus olhos, aquela década de 90 e primeira metade da década 2000, podia ser
marcada por corrupção e campeonatos azuis garantidos à partida. Mas foram
também anos de um Benfica demasiado fraco, vulgar, perdido, a dar tiros nos pés todos os anos, a
nunca acabar a menos de 15 pontos do primeiro... O Porto podia ter os
campeonatos “apalavrados” à partida, mas com ou sem corrupção, nunca nesses
tempos o Benfica se pode desculpar com a corrupção para o facto de nunca ou
quase nunca ter conseguido ser campeão.
Eu sei
que há muitos benfiquistas que preferem sempre olhar para fora e não para
dentro. Há benfiquistas que preferem sempre olhar para os pecados alheios para
desculpar as nossas falhas. Há benfiquistas para quem a nossa caminhada no
deserto nunca foi demérito nosso mas sim culpa de toda a gente que fez tudo
para nos lixar. Bem, eu não penso assim... Em primeiro lugar é preciso sermos
competentes naquilo que fazemos, e depois sim, podemos reclamar pelas
injustiças que nos são feitas.
Acho
que hoje, finalmente, voltámos a ser um Benfica mais competente (ainda que não
perfeito). Com um bom treinador, com uma academia do melhor que há no mundo,
com Rui Costa como cabeça de uma equipa de prospeção que tem sido capaz de descobrir
talento por esse mundo fora, e com um presidente que tem sido capaz de criar
condições financeiras para que jogadores de qualidade possam chegar à Luz.
E quando há competência a corrupção pode
continuar a tentar jogar a sua parte, mas estaremos sempre mais próximos do sucesso,
aliás, como se tem verificado nos últimos anos.
Também não faço parte do grupo dos que,
sempre que olham os nossos adversários, só vêm as coisas más, incapazes de ver
também o que fazem de bem, e que justifica TAMBÉM
grande parte do sucesso que as suas equipas conseguem ter.
Por exemplo, eu discordo totalmente, daqueles
que dizem que o campeonato português
está cheio de ex-treinadores do FCPorto, por tudo isto ser uma manobra do sistema e o
FCPorto tenha com as equipas treinadas por ex-portistas vários pontos garantidos logo à partida.
Se na altura fui lendo quem isso insinuava e
desconfiei do que lia, o que tenho vindo a verificar mostra-me que não, a história não mostra isso.
Pedro Emanuel por exemplo é responsável por muitos pontos tirados ao FCPorto
nos últimos anos, incluindo até eliminações de Taça de Portugal. Sérgio
Conceição na última semana, mostrou que apesar de ex-jogador do FCPorto, não
teve medo de dizer com todas as letras que o Braga não pontuou no Dragão porque
não deixaram. E jogou para ganhar! E mais, nunca vi nenhum desses supostos treinadores do sistema e ex-jogadores do FCP
chegar a treinador do FCP.
E já
nem vou por aí. Quem já jogou à bola e partilhou balneários durante 30 jogos
por ano, sabe perfeitamente que no dia em que um treinador chegar ao balneário
e pedir aos seus jogadores para facilitarem certo jogo, não mais esse treinador
terá qualquer hipótese de ter os jogadores do seu lado. Finito! Isto para além do risco
óbvio de haver no plantel um jogador com coluna vertebral, alguém mais caladinho que não se
vende, e sem pejo em denunciar nos jornais as maroscas que se cozinham.
Porquê então tantos treinadores na Liga
Portuguesa ex-jogadores do FCPorto? No meu entender, porque um dos méritos do
FCPorto durante muitos anos foi saber escolher para os seus
planteis, jogadores de futebol com personalidade. Verdadeiros líderes. Não
bastava ser bom jogador.
Quem se lembra de elementos como Jorge Costa,
Fernando Couto, Sérgio Conceição, Pepe, Costinha, Lucho, Paulinho Santos, Lizandro, Fernando, Nuno
Espírito Santo, Bruno Alves ou Pedro Emanuel, reconhece que para além de jogadores de
futebol, houve a intenção de recrutar verdadeiros líderes, homens de luta e sem medo da linha da frente, homens de canela até ao
pescoço!
E isto
da liderança, num campo de futebol joga muitas vezes a sua parte. Não me custa
reconhecer, que muitos dos Benfica X Porto jogados nessas décadas de 90 e 2000 (e alguns ainda hoje),
foram vencidos inquestionavelmente por questões anímicas, uma crença que os
jogadores do FCPorto carregavam para dentro do campo e que os do Benfica muitas
vezes não tinham, como se entrassem em campo já derrotados e dele saíssem muitas
vezes sem ter sequer entrado no jogo.
O Benfica perdia, não APENAS por causa da corrupção, não apenas por aspetos tácticos e técnicos, mas porque a parte anímica da equipa do
FCPorto fazia a diferença, e nos jogos a doer, nos jogos de homens eles diziam
sempre presente! E os nossos não.
Não tenho dúvida por isso que muitos
Presidentes de clubes portugueses apostaram nessa irreverência e força mental
de alguns ex-jogadores do FCporto, como solução para os problemas das suas
equipas. Apostaram na força mental que lhes reconheciam em detrimento do
brilhantismo tático, acreditando que uma equipa guerreira e forte psicologicamente pode
vencer qualquer batalha. Uma estratégia como qualquer outra.
Ao
Benfica de hoje, reconheço bons jogadores com uma personalidade forte também.
Jogadores como Luisão, Enzo, Maxi, Cardozo, Di Maria, Javi Garcia, Gaitan, Matic, são, não só bons jogadores de
futebol mas jogadores para não se intimidarem em ambiente nenhum.
Quando
vejo Jorge Jesus pedir a Jardel para jogar com uma cabeça partida ou Júlio
César jogar com um traumatismo craniano, isto são casos extremos e obviamente casos sensíveis e discutíveis, mas faz parte de uma mentalidade que Jorge Jesus percebe ser
essencial numa equipa de futebol, mentalidade essa que durante muitos anos me
pareceu arredada da Luz. Havia alguns bons jogadores, mas não
jogadores dos grandes momentos, não jogadores dispostos a morrer em campo!
Há corrupção no futebol português?
Evidentemente que sim e só um cego pode acreditar no contrário. Mas hoje é mais difícil ao FCPorto ganhar
apenas por causa disso, porque o Benfica foi capaz de igualar os corruptos numa
série de outros atributos que uma equipa de futebol também precisa de ter.
Curiosamente,
se me pedissem hoje para elaborar um critério de escolha de um jogador
de futebol, acho que a parte técnica viria em último lugar:
Em
primeiro, a mental;
Em
segundo, a física;
Em
terceiro a tática;
Em
quarto, a técnica. Acho que é assim no futebol moderno.
Nos
tempos do Sabry e do Roger é que a técnica vinha primeiro, esse era, aliás,
quase o único critério, sinal evidente de um mundo ilusório em que o Benfica
vivia!
Felizmente
para todos, o Benfica de hoje está muito mais perto daquilo que idealmente deve
ser uma equipa de futebol profissional, com defeitos evidentemente, com erros
que volta e meia vamos lembrando, mas dificilmente o FCPorto voltará, com ou
sem corrupção, a ter no futebol português a hegemonia que teve há 10 ou 15
anos atrás!