Às vezes o retorno da lealdade também pode ser um bom pontapé no cu

André Almeida foi MERECIDAMENTE homenageado no último jogo pelos seus 12 anos no Benfica? Claro que sim. Confesso que sou adepto destas homenagens, e felizmente Rui Costa tem tentado trazer de novo para o Benfica um certo romantismo que LFV tudo fez para destruir.

Mas não faltou quem viesse logo aproveitar o momento para “mandar” a bicada, que este Almeida sim é dos nossos, que beija o símbolo mas sente realmente o símbolo, ao contrário de outros (o Enzo), que beija o símbolo hoje mas está a forçar a saída amanhã.

Eu confesso que tenho uma visão muito pragmática destas coisas, mas o que eu pergunto é: Será que André Almeida não poderia ter feito o mesmíssimo que Enzo fez, tivesse ele o talento de Enzo, tivesse ele sido eleito o melhor jogador jovem de um mundial, tivesse ele a elite toda do futebol atrás de si a despejar baldes de dinheiro, e pudesse ele ter ido para o Chelsea ganhar em 8 épocas o mesmo que ganharia em 56 anos de Benfica?

Ah sim, é facílimo elogiar a lealdade de um jogador (e atenção que não estou a dizer que ele não merece elogios. Como já disse, MERECE.), dizer-se que este sim é dos nossos, quando na verdade qual foi a hipótese nestes 12 anos que o André teve para sair para um clube maior e que o fizesse ter uma conta bancária com mais dois zeros? A história do André no Benfica é também muito as suas circunstâncias, como acontece com qualquer outro jogador!

Perguntem às estrelas do amor à camisola dos anos 70 e 80 do futebol português, senão preferiam ter tido na altura uma Lei Bosman que lhes tivesse permitido ter feito carreiras lá fora, e que hoje pudessem ter vidas financeiras bem mais desafogadas em vez das vidas difíceis que quase todos têm?

E isto leva-me para Enzo... Portou-se bem? Claro que não! Mas fez o mesmo que muitos que o criticam hoje teriam feito no seu lugar. O Enzo é um miúdo de 21 anos, que saiu da Argentina e largou amigos e família, e que veio para a Europa à procura do seu sonho, onde se inclui conseguir independência financeira o quanto antes.

E quando aterrou em Portugal para jogar no Benfica, o Benfica tinha algum lugar especial no seu coração? Claro que não! Aterrou aqui porque fomos nós que pagámos! Defendeu a causa do Benfica porque é profissional, e se tivesse sido o Porto a contratá-lo teria defendido a causa Portista da mesma maneira.

Hoje o Enzo está no Chelsea, vai colocando uns posts no instagram mas sempre com os comentários restritos, porque de facto há muitos Benfiquistas a querer comentar e a querer dizer ao Enzo exatamente aquilo que pensam dele e da sua saída, e de como seres humanos como ele nunca tiveram lugar no Estádio da Luz.

Mas mais uma vez, é tudo uma hipocrisia, e dos adeptos também. Porque se dissessem a um Benfiquista hoje, ou ao Schmidt ou ao Rui Costa, que há outro Enzo qualquer na Somália que pode chegar ao Benfica por 13 milhões, que vai espalhar magia nos nossos relvados durante 6 meses, e que daqui a 6 meses vai forçar a saída para o City numa venda de 120 milhões, alguém vai dizer que não? O TANAS, iam dizer que SIM, e era para assinar JÁ, não fosse outro clube chegar primeiro!

E sabem porquê? Porque bem mais importante do que ter no Benfica um jogador que sente o Benfica desde pequenino, é ter um que tem uns pés magníficos, que dá alegrias aos adeptos dentro do campo, que é um profissional a 100%, e que quando vai embora ainda deixa os cofres do clube cheios. Venham mais destes, digo eu!

A verdade é que nos clubes portugueses, por muitos anos só ficam os jogadores medianos, aqueles que jogam o suficiente para não ser mandados embora mas que também não jogam demasiado para serem tentados por clubes melhores e mais ricos! Houve algum que escolhesse ficar no Benfica se pudesse jogar no Barcelona? Quantas vezes já aqui escrevi que se Eusébio fosse 30 anos mais novo tinha jogado no Benfica seis meses e hoje tinha uma estátua em Madrid?

E se amanhã e sem surpresas alguém vier à Luz e quiser pagar 10 milhões pelo Schmidt, também vamos exigir que fique por lealdade e porque sempre o tratámos tão bem? Mas e se no próximo ano a época correr mal a Schmidt, e os adeptos começarem a assobiar, e o Rui Costa tiver de despedir o treinador e fazê-lo sair pela porta pequena como acontece quase sempre com os treinadores? Aí deixamos de o tratar bem? Aí acaba-se a lealdade? Ou a lealdade só se exige dos funcionários para com os clubes nos bons momentos, mas não dos clubes para com os funcionários, mesmo quando as coisas começam a descambar?

Para acabar, podia aqui lembrar Pizzi... Esse também não merecia uma festa de homenagem? Esse também não foi um jogador importante no Benfica durante 9 anos, e que dentro do que eram as suas capacidades, não deu sempre o melhor de si? E qual foi o prémio no final pela sua lealdade e dedicação? Não saiu pela porta pequena e com o nome manchado, e não se arrisca ainda a ser assobiado por alguns adeptos quanto regressar à Luz com a camisola do Braga?

Pois, às vezes, o retorno da lealdade demonstrada também pode ser um valente pontapé no cu, e é bom perceber isso, porque isto tanto vale para os Pizzis, como para os Almeidas, os Enzos e os Schmidts da vida, e até para os mais bajulados e melhores jogadores do mundo de sempre como Cristiano Ronaldo o foi. São amados enquanto os seus golos dão alegrias aos adeptos, mas assim que a torneira dos golos se fecha, percebem como o ódio e a indiferença podem estar ali logo ao virar da esquina.

Na minha visão, lealdade sim, mas primeiramente para com aqueles que sabemos que estão connosco desde o início, nos bons e nos maus momentos, e que vão continuar a lá estar quando todo este circo da bola acabar e percebermos que nunca fomos assim tão importantes. A esses sim é que interessa ver felizes e resolver-lhes a vida financeiramente o mais depressa possível.

A isso chama-se ser profissional de futebol. Se no fim disto tudo ainda se puder adicionar algum romantismo à coisa, tanto melhor. Mas mal do jogador que ponha o romance acima do resto, e que acredite que o amor vindo da bancada vai durar para sempre.