O direito de transformar este presente envenenado numa chance real de ser feliz

Pegar na equipa a sete pontos do primeiro, com jogos de 3 em 3 dias e pouco tempo para treinar, com um plantel que como percebemos tem várias deficiências, e na entrada para um ciclo de jogos verdadeiramente infernal até mesmo do ponto de vista físico, esperar mais do Benfica de Lage nesta altura seria ridículo.

Esperar-se-ia imediatamente futebol artístico? Seria utópico. Mas mesmo nos jogos de Guimarães, mesmo em jogos em que claramente denotámos dificuldades várias, notou-se evolução. Sobretudo evolução nos processos defensivos...

Claro que a malta já não se lembra que no primeiro jogo de Guimarães o Benfica até faz uma primeira parte muito boa... Só que depois ao intervalo perde Fejsa, aquele que para o bem e para o mal é o esteio defensivo da equipa, titular absoluto e à volta do qual todas as rotinas giram.

E de repente, o Benfica vê-se a jogar 135 minutos num campo dificílimo com um miolo em estreia, um Gabriel que já não contava e um Samaris ressuscitado, sem rotinas algumas. E mesmo assim, apostando no contra ataque mas com foco claro nos processos defensivos, fomos sempre uma equipa equilibrada, que viu jogar muitas vezes mas nunca permitiu chances ao adversário.

E foi este Benfica a fazer um género de pré época em competição que chegou ao jogo de morte que tinha ontem com o FCPorto. Pedia-se evolução, pedia-se não só a mesma consistência defensiva evidenciada (e julgo que trabalhada) recentemente por Bruno Lage no pouco tempo que tem para treinar, mas também que ofensivamente soubéssemos ser melhores do que fomos em Guimarães.

E fomos. E a segunda parte do jogo de ontem é de grande nível, não só a nível técnico mas sobretudo, que é aquilo que me interessa valorizar hoje, a nível tático.

Que grande jogatana aquela segunda parte, ao ponto de termos chegado a ver o Porto defender com uma linha de 6, com Marega e Fernando Andrade a jogarem como laterais, com os laterais do Porto a fechar por dentro.

E a entrada de Castillo para o lado de Seferovic, com João Félix a jogar por trás destes dois, mas muitas vezes a vir também para a ala esquerda dando-se à marcação a Marega para se ver depois Grimaldo fugir e entrar por dentro e ser ele a aparecer por trás dos avançados livre de marcação, é de treinador.

Lá está, hoje quero agarrar-me apenas às pequenas coisas... Coisas como ver um treinador a dar instruções aos jogadores. Sim, instruções, coisa bem diferente de bater palmas a pedir alma como andava a ver há mais de três anos... Coisas simples como apontar-se coisas num bloco de notas e discuti-las com o adjunto... Coisas simples como ver um treinador fo#*do da vida no terceiro golo do Porto porque sabe exatamente onde esteve o erro, quem falhou e o que correu mal... Coisas simples como ver um treinador vestir fato de treino em vez do fato e gravata...

Ah, e para terminar, e para puxar um pouco a brasa à minha sardinha, eh pá, o Samaris não é nenhum craque como sabemos... Mas aquela segunda parte acontece porque há um Samaris que está bem fisicamente, que sabe ter a bola no pé como jogador mais recuado do meio campo e permite à equipa subir e chegar a jogar com uma linha de 4 na frente... Com Samaris a bola vai andar da esquerda para a direita, da direita para a esquerda e seguramente vai chegar lá à frente.

Gostava também de salientar Seferovic... Ok, falhou um golo que não podia falhar mas, é aquele espírito guerreiro, aquelas correrias loucas, aqueles berros aos companheiros apontando falhas e incentivando, e sempre sempre a dar o exemplo, que contagiam e criam o espírito e a alma certas para equilibrarmos jogos contra o FCPorto onde tantas vezes já entramos derrotados.

O Benfica ontem, de facto não ganhou nada... Mas estranhamente os Benfiquistas saíram do estádio a achar que ganharam o futuro. E Bruno Lage deveria ter ganho estatuto, estatuto para transformar as apenas obrigações que tem em alguns direitos também, o direito de exigir a LFV que transforme este presente envenenado que herdou numa chance real de ser feliz!