Exclusivo: "Os pecados mortais"

Final Taça dos Campeões Europeus 1990: SL Benfica vs AC Milan

Queremos ver o Benfica na decisão da Liga dos Campeões da UEFA ou, pelo menos, nas meias finais dessa competição. E é esse o lugar que um clube com a dimensão global do Benfica tem naturalmente de ocupar. O Benfica é um clube grande e Lisboa não é uma cidade periférica. Lisboa é uma cidade com cada vez maior notoriedade no contexto europeu, pelo que fará sentido albergar um colosso do futebol mundial.

Contudo, constatamos que apenas 16 clubes tiveram o privilégio de marcar presença nessas fases adiantadas da competição nas últimas 10 épocas. Constatamos ainda que a receita média anual dessa elite de acordo com o último relatório do Football Money League (FML) da Deloitte ascendeu a, aproximadamente, 405 milhões de euros. Essa média sobe para, aproximadamente, 503 milhões de euros se considerarmos apenas os clubes que marcaram presença na final. São números de uma magnitude bem diferente da correspondente às receitas do Benfica de aproximadamente 158 milhões de euros, igualmente de acordo com o referido relatório.

Sabe-se que os clubes que mais gastam em salários de atletas são os que mais sucesso desportivo têm. Para o Benfica conseguir pagar salários mais altos e ter melhores atletas, é necessário ter mais receitas (o financial fair-play da UEFA apenas permite que os clubes gastem o que têm). Então a chave para o Benfica saltar para um patamar competitivo condizente com a sua grandeza é o aumento de receitas.

Receitas de televisão: No último exercício as receitas de televisão da SAD ascenderam a 38,8 milhões de euros. Estas receitas, resultantes do contrato celebrado com a NOS, irão crescendo ao longo dos 10 anos do acordo, perfazendo um total de 400 milhões de euros. Assim, para termos uma média anual de 40 milhões de euros, o potencial de crescimento destas receitas nos próximos 9 anos não poderá ser muito elevado (mais 3 ou 4 milhões de euros apenas). Isto porque a recente renegociação do contrato com a Nós não alterou estes montantes.

Receitas de bilheteira: No último exercício estas receitas ascenderam a 24,4 milhões de euros. Retirando as receitas diretas de jogos da Liga dos Campeões e de jogos de outras competições que não a Liga NOS, temos receitas que ascendem a 21,6 milhões de euros:

Liga NOS e bilhetes de época: 11.935

Corporate: 9.700
Total: 21.635

O Benfica registou uma utilização média do estádio nos jogos da Liga NOS de 82,6%, pelo que, para o mesmo nível de preços, existe um potencial de crescimento de mais 2,5 milhões de euros. 

As receitas corporate terão pouca margem para crescimento em volume, uma vez que o espaço para camarotes é limitado. Resta, pois, um crescimento das receitas de bilheteira por via do aumento de preços. 

Contudo, o Benfica não pode aumentar substancialmente os preços dos bilhetes se não oferecer aos adeptos um espetáculo de maior qualidade. Um espetáculo de maior qualidade resulta necessariamente de melhores “atores” e isso não é compatível com uma estratégia de venda desenfreada de todos os atletas que demonstrem um mínimo de qualidade. Também não é compatível com a contratação de “paletes” de atletas que não são titulares na equipa principal.

Receitas comerciais: No último exercício estas receitas ascenderam a 33,1 milhões de euros, 22,2 milhões de euros dos quais respeitantes a patrocínios. A magnitude destas receitas depende da capacidade do Benfica angariar novos patrocinadores e de renegociar com os atuais condições mais favoráveis. Essa capacidade é particularmente sensível à visibilidade global do Benfica e à sua reputação. Quando o plantel do Benfica se vê todos os anos privado das suas principais estrelas em ascensão e quando o clube e a SAD são constantemente atingidos por suspeitas de práticas ilícitas e eticamente reprováveis (que a atual direção tem rebatido de forma, no mínimo, incompetente), percebe-se que o potencial de crescimento destas receitas está grandemente condicionado.

Nota: esta análise não contempla as receitas da Liga dos Campeões, uma vez que estas são uma consequência da estratégia para o futebol.

Face ao exposto, coloco a seguinte questão à atual direção do clube e da SAD:

Qual a visão que existe para o futebol do Benfica? É a visão do modelo dos “pequeninos”, que assenta na formação de atletas na “linha de produção do Seixal” para com isso gerar receitas que permitam manter a mediocridade competitiva dos últimos anos? Ou é a visão do modelo dos “grandes” que assenta em contratar, formar e reter estrelas, em ter um projeto desportivo verdadeiramente competitivo e em aparecer nos palcos das principais decisões do futebol mundial?

Na verdade, é uma pergunta retórica. A resposta, infelizmente, já todos sabemos qual é. A atual liderança já há muito escolheu, por razões que serão debatidas em próximos posts, o modelo dos “pequeninos”.

Termino este texto elencando aqueles que considero como os principais pecados mortais da atual direção do Benfica e da SAD e que, se não forem rapidamente corrigidos, irão levar ao fim irreversível do sonho legítimo dos benfiquistas de verem o seu clube novamente no topo do futebol europeu e mundial:

Ponto 1- Falta de audácia para perceber o impacto que a contratação, ainda que por curto prazo, de uma estrela mundial poderia ter. Pode considerar-se que metade da população mundial é adepta de futebol. Sem querer referir nomes, a contratação de uma figura mediática do desporto rei iria colocar o Benfica na boca de, literalmente, meio mundo. Isso teria impacto na venda de camisolas, na angariação de patrocínios, na necessária renegociação dos direitos de televisão, na capacidade de contratar outros atletas de elevada qualidade. O Benfica não precisa de diretores e gestores que não têm audácia para tomar estas decisões.

Ponto 2- Falta de critério na contratação de atletas. Nas últimas 6 épocas foi investido um montante superior a 320 milhões de euros em contratações. A grande maioria das quais não trouxe benefícios visíveis para a capacidade competitiva do Benfica. Não teria sido preferível canalizar estas verbas para a contratação de, por exemplo, 5 ou 6 estrelas do futebol mundial?

Ponto 3- Incapacidade para reter talentos e, dessa forma, consolidar a capacidade competitiva da equipa. Imaginem que o Benfica teria conseguido reter alguns dos seguintes atletas: Ederson, David Luiz, Garay, Lindelof, Nelson Semedo, Cancelo, Bernardo Silva, Di Maria, Enzo Perez, WItsel, Matic, Ramires, Renato Sanches, Gonçalo Guedes, Gaitan, Rodrigo. 

Qual o impacto que isso teria tido no desempenho internacional do Benfica e qual o aumento de receitas daí decorrente? Teria certamente sido suficiente para pagar os incrementos nos salários necessários para reter tais atletas e ainda permitiria catapultar o Benfica para um nível competitivo mais elevado. Note-se que várias das transações destes atletas acabaram por não se traduzir em grandes negócios (pelo menos para Benfica) e obrigaram a investimentos elevados noutros atletas (eventualmente de menor qualidade) para suprir as saídas.

Ponto 4- Falta de respeito pelos valores do Benfica com o consequente prejuízo da reputação do clube e da marca Benfica. Mais que um emblema, uma cor, um estádio, títulos, atletas, ou dirigentes, o Benfica é um ideal. É um ideal que se materializa nestas vertentes, mas que extravasa as mesmas e, inclusive, sobrevive ainda que estas estejam ausentes ou se manifestem incorretamente. É um ideal que assenta em valores éticos, na ambição e na paixão. 

Nós, benfiquistas, perdemos quando nos afastamos destes valores. Perdemos a nossa identidade e isso é o mais importante. Não podemos esquecer-nos do seguinte: o Benfica não é grande por ter conquistado títulos; o Benfica conquistou títulos (e refiro-me essencialmente aos internacionais) porque (e quando) foi grande. A grandeza do Benfica são os seus valores. Ficamos mais longe de vencer, quando nos afastamos desses valores.

As duas visões para o futebol do Benfica atrás referidas são mutuamente exclusivas, pelo que temos de decidir qual o caminho a seguir neste momento tão importante para a afirmação mundial do clube. 

A escolha entre as duas visões é, acima de tudo, uma questão de caráter e de grandeza de alma. Assim, a decisão em causa nunca poderá agradar a todos os que se dizem benfiquistas. 

Irão escolher a visão do modelo dos “pequeninos” aqueles que gostam de se vangloriar com o domínio sobre os mais fracos, que se contentam com um pássaro na mão e não ousam apanhar todo o bando, que acreditam que o destino não pode ser contrariado, que buscam consolo para as derrotas na autocomiseração. 

Irão escolher a visão do modelo dos “grandes” aqueles que acreditam que a verdadeira glória está na competição com os mais fortes, que têm uma ambição sem limites, que acreditam que o nosso destino é escrito por nós, que encontram nas derrotas ainda mais determinação para continuar a lutar, que, em última instância, incorporam os verdadeiros valores do Benfica e que acreditam como eu que o Benfica pode SER O MAIOR E O MELHOR CLUBE DO MUNDO.