UM TESTEMUNHO DE BENFIQUISMO!
Começo por me apresentar. Sou mulher. Uma mulher benfiquista que muito lutou para ter o direito de gostar de um clube, de futebol e de desporto em geral. Numa altura em que o futebol era coisa de homens – estávamos nos anos 60 - foi uma grande vitória integrar-me no seu meio.
Vivi numa aldeia até aos 20 anos. Pouco ou nada sabia das estratégias, das regras que ditavam as leis fora de campo. E as que disciplinavam dentro de campo, também não eram a minha preocupação e quase desconhecia. Sabia o que era um golo e pouco mais!
Nesse tempo, o futebol (é do que vou falar) era um desporto exclusivamente de estádio ou, nos meios pequenos, de rudimentares rectângulos desenhados em terra batida onde se digladiavam as rivalidades vizinhas.
Detenhamo-nos nos jogos de estádio, dos grandes clubes profissionais.
Nessa época os jogos eram efectivamente assistidos no estádio. Quem não ia ao estádio pouco sabia a não ser os resultados transmitidos através dos relatos pelas telefonias. A televisão estava nos seus primórdios e as transmissões de jogos resumiam-se a um ou dois por ano. E tínhamos que ir ao café mais próximo porque em nossas casas ainda era aparelho proibitivo. No final, o dono ou a dona do café, colocava-se à porta com uma bandeja, onde colocaríamos uma moedita para ajudar a pagar a electricidade! É verdade, nesse tempo, nem de futebol de sofá usufruíamos, mas sim de bancos ou cadeiras de madeira nada confortáveis!
A primeira transmissão que vi foi a da primeira final dos Campeões perdida pelo Benfica. E foi aí que soube que Eusébio era preto. Isto demonstra a rudimentar comunicação social que havia no país.
Eram uma delícia as imagens mágicas a branco e preto e a desordem dos comentários. Alves dos Santos e os seus parentescos trocados… “O jogador A é irmão do jogador B!” Uns minutos depois, vinha a desculpa com a rectificação: “Afinal, o jogador A não é irmão do jogador B mas sim cunhado”. Uns instantes depois: “Peço desculpa mas o jogador A é primo do Jogador B e não cunhado”! Eram risadas e um gozo e divertimentos do outro mundo!
Artur Agostinho, mais sóbrio, mais informado e quiçá um profissional com mais formação ia relatando o jogo e comentando ao mesmo tempo. Era o que hoje se chama “dois em um”!
Outros se seguiram, mas já com outras posturas e outras exigências. E que terão sido o alvor desta época que estamos a viver.
Amávamos o clube à distância, através de ondas hertzianas, envolvidos numa ausência insofrida! Porque era assim!
Não conhecíamos os jogadores, mas isso não impedia que os admirássemos! Sem lamentos! Porque era assim!
Amávamos o nosso clube incondicionalmente! No meu caso, como uma “Madrinha de Guerra” - à época com a fatídica “Guerra do Ultramar” muito comum - que se apaixonava pelo militar com quem se correspondia!
O Benfica era isto. A continuação da nossa família. Uma família ausente mas com laços muito fortes. Uma família que lá longe , muito longe, domingo a domingo nos fazia vibrar com as vitórias.
E como éramos felizes ao ouvir gritar na telefonia: Golo de Eusébio! Golo do Benfica! Grande defesa de Costa Pereira! Zé Gato, atira-se aos pés do adversário e defende!
E o Benfica desse tempo correspondia aos que fieis, o aplaudiam no estádio mas também aos que na ausência e na distância não deixavam de transmitir uma inabalável confiança, um grande amor e uma dedicação sem limites, com golos, com defesas, com vitórias!
Ser-se Benfiquista ou adepta de outro qualquer clube publicamente, assumir e viver o amor a um clube naquela época, não era fácil e mesmo pouco aceitável ou recomendável para uma menina!
Mas essa luta, essa briga constante contra os valores instalados, as fintas aos meus pais para ver (raras vezes) ou falar do meu clube, constituíram um constante exercitar da minha inteligência! Obrigaram-me a aguçar a astúcia para levar a minha avante. E cimentaram mais ainda o meu sentimento clubístico pelo Benfica. Como diz o povo: O fruto proibido é o mais apetecido”
As dificuldades que tive que vencer e ultrapassar não fizeram de mim mais ou melhor benfiquista. Mas fizeram-me sem dúvida uma benfiquista diferente. Uma benfiquista genuína, nascida num meio adverso e sem qualquer influência. Foi um amor espontâneo que brotou e que acompanhou o meu crescimento, forte e duradouro.
Talvez por isto, confesso que me faz imensa confusão o benfiquismo que por aqui vejo, que sendo legitimo e com certeza verdadeiro, não é igual ao meu… Pode ser melhor, mas não é igual ao meu!
Talvez porque vivi tanto o Benfica de Eusébio, Simões e Coluna, João Alves, Toni e Humberto Coelho, Victor Paneira, Fernando Chalana, Diamantino, Carlos Manuel e Bento e tantos, tantos que escreveram as páginas mais gloriosas da nossa História, sinto a legitimidade para mostrar aos mais novos que o que eles hoje defendem é um Benfica descaracterizado, material, desumano, como aqui se apelida, um benfiquinha sem alma, sem chama, sem alegria.
Porquê? Porque não lhes deu luta! Porque não lhes exigiu sacrifício! Porque não sabem o que é AMAR à distância!
O que conseguimos com o nosso querer, com o nosso combate, com a nossa luta, tem sempre um sabor tão gostoso e tão intenso, que nunca deixará de marcar-nos para a vida toda!
E o meu benfiquismo nasceu dessas entranhas de sofrimentos muitos, mas de felicidades imensas que, apesar deste presente que pouco de bom augura para o futuro, será, acredito de FELICIDADE ETERNA!
Saudações Benfiquistas
Maria C. Rosa
Sócia do Sport Lisboa e Benfica
Mais um excelente texto, repleto de nostalgia e amor a uma bela causa como é o Benfiquismo.
ResponderEliminarE com a certeza de que mais tarde ou mais cedo iremos voltar a ser um Benfica, à Benfica ! :)
Como já disse, nostalgia positiva. Diria talvez romantismo! E muita esperança num futuro melhor e que nos dê mais alegrias!
EliminarMuito bem Maria Rosa
ResponderEliminarObrigada!
EliminarA Maria Rosa tomou o gosto e vai dai sai-se com um novo post cheinho de classe hoje descreve-nos tempos ja longinquos com muita nostalgia eu tambem sou desses tempos maravilhosos que ouvia os relatos com umas mini telofonias baratuxas que muitas das vezes quando gritavam golo nao sabiamos de quem era ora rodavamos para norte sul este oeste e la se conseguia perceber Eusebioooooooooooooo golooooooooooo pronto sabiamos que era do glorioso que felizes eramos porque por vezes se ouvissemos 40% do relato que bom que era que felizes nos sentiamos mais tarde tive o previlegio de ver jogos do Benfica na Catedral la no velhinho terceiro anel,depois emigrei para a america do Norte la voltou a telefonia novamente agora mais sofisticada,jogos por aqui naquele tempo nepia o futebol era mesmo com bola quadrada perdao tipo melao hoje temos o privilegio de ver o nosso Benfica em qualquer parte do Mundo ao viovo e a cores lol,ah mas sempre soube que o Eusebio era preto no entanto a minha telefonia era melhor que a sua cheguei a ouvir relatos ca fora com neve a cair temperaturas negativas porque procurava os sitios mais adequados para se conseguir ouvir algo ai Benfica porque te amo tanto as coisas que tive de fazer para ouvir relatos.
ResponderEliminarSim caro Frank! Nostalgia positiva. É bom lembrar os tempos passados, sem nos tolherem o presente ou dificultarem o futuro!|
EliminarComo disse a outro post, gosto do tempo que vivo hoje mas não quero esquecer todo um passado rico e cheio de boas memórias.
Romance a lembrar o fado do Mourão.
ResponderEliminarSó que o tempo não volta para trás. O meu benfiquismo não deixa de ser menor... e até começou mais cedo.
Choraminguices, não.
...e se o ladrão do ovnichinicov, for maior ladrão que o presidente azedo. Achas que choras ou pára a mama ???
EliminarO Benfica é maior que os Homens. e os artistas das barrigas de aluguer com fado ou sem fado, iam todos de saco ...
Propagandas, não.
BTT
Se acha que trazer à tona as nossas lembranças é choraminguice... Terá por certo muito para esquecer, infelizmente para si.
EliminarTenho muito orgulho no meu passado, no que vivi e não quero esquecer o ontem, como quero preservar da mesma forma o hoje!
Sem recordações, a vida não tem lá grande interesse...
"Ó tempo, volta para trás". Os nostálgicos da infância.
ResponderEliminarQue tal envelhecer com dignidade?
Deve estar a ver-se ao espelho. Sou nostálgica sim e recordo com muita emoção a minha meninice e juventude!
EliminarSabe, hoje podem saber muito de computadores, de redes sociais, de telemóveis, de um número infindável de inovações... Mas não têm o privilégio que eu tive de ver nascer tudo isso que hoje vos faz tão felizes. Tal como a mim!
Quanto a ser velha... Não sei a sua idade, mas oxalá atinja a minha, com a dignidade, a clarividência, a saúde e olhe o aspecto que eu tenho!
Com todo o respeito pela senhora Maria C. Rosa concordo absolutamente com tudo.
ResponderEliminarNasci há cerca de 30 anos atrás não numa aldeia, mas na capital de Portugal e considero este ano uma das melhores épocas de sempre. Sem dúvida no TOP 5 de sempre e se calhar no TOP 3 (a conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus naquela altura estará sempre no pódio).
Como tal aquilo a que assisti a raça querer e ambição dos nossos jogadores, a união dos adeptos sempre a apoiaram a equipa, o entusiasmo das pessoas com os jogos do SL Benfica leva-me a crer que o que a senhora Maria C. Rosa está para breve.
Ainda no outro dia vi um miúdo perguntar ao avô:
Era este o Benfica dos teus tempos ? Finalmente posso sentir o que sentias.
É isso caro Anónimo! O Benfica é de todos os tempos. É intemporal! Ouço tantas vezes dizerem: O Benfica do tempo do jogador A ou B é que era bom! É sempre bom, quando o desejamos. Não é porque um filho é melhor que outro que o amamos mais... Não é assim?
EliminarAcabei de descobrir que como não nasci antes da década de 60 não sou um benfiquista com "benfiquismo". A minha vida deixou de fazer sentido!
ResponderEliminarAgora a sério... não percebi se o problema do Benfica é que agora os jogos dão da televisão (a cores e HD), ou porque não preciso de me sacrificar para seguir o Benfica (???).
O texto é bonito, sim senhor, mas já repararam que essa história é igual a tantos outros clubes... Não me parece que seja por aí que o Benfica seja diferente dos outros clubes... Parece-me que a D. Maria C. Rosa gosta mais do Benfica de há 40 anos do que o de hoje... é legitimo, mas os tempos são outros... as coisas evoluem... umas vezes para melhor outras para pior!! Evoluir, no fundo poderá querer dizer que passou a ser diferente, aí podemos escolher adaptarmos-nos ou ficar preso no passado.
Caro quanmanho! Nunca leu que sou mais ou melhor benfiquista. Sou sim, diferente.
EliminarClaro que os tempos são outros. Eu já não sou a mesma de há 40 anos atrás, também evoluí. Positiva e negativamente, como tudo e todos.
Mas não gostava mais do Benfica de há 40 anos. Mas que me dava muito mais gozo e alegrias, é inegável!
E não, caro benfiquista. Não estou presa ao passado. Mas não o renego, não o esqueço e quero sempre recordá-lo com saudade positiva e carinho. Se não fosse esse passado, eu não existia. E você, existia sem passado?
Quem gosta de falar da HISTÓRIA do BENFICA, deve preocupar-se em ser rigoroso. Será que tão fervorosa benfiquista desconhece que o KING só disputou a final de Amsterdão? - E já agora, parece-me que o NEGRO seria mais adequado!
ResponderEliminarParece que não leu bem o que escrevi. O primeiro jogo do Benfica que vi na televisão, foi a primeira final perdida...
EliminarNão, caro anónimo, é preto e não negro. Pergunte às pessoas com essa cor e verá como é preto e não negro como querem ser considerados!
Essa questão deveria ser posta ao Alan.
EliminarEu vou dar-lhe uma pequena explicação para que perceba a diferença:
ResponderEliminar- O preto, é a cor mais escura do espectro, e define-se geralmente como a ausência de luz.
- O negro é o termo sociologicamente usado nos sistemas de classificação racial para designar os seres humanos com caraceristicas observáveis de pele negra relativamente a outros grupos raciais.
Quanto à sua sugestão, remeto-a para a história do movimentos dos direitos civis dos negros nos E.U.A, encabeçados por Malcom X e Martin Luther King, e perceberá facilmente que muitos individuos de raça negra, preferem ser referenciados como "pretos", devido ao estigma que ficou pela ligação dos negros com a escravatura a partir do Século XVIII ...
Para terminar, sugiro-lhe a leitura do último romance e talvez a melhor obra do escritor angolano Pepetela, " A Sul. O Sombreiro ...
" Last but not the least " mea culpa, mas li transversalmente o seu comentário, daí a minha observação...:-)