Este
texto não é evidentemente uma tese sobre tática, cheia de fontes e verdades
absolutas. É apenas uma opinião, tornada pública neste espaço, e discutível
como qualquer outra, para mais quando se trata de um assunto para o qual todo e
qualquer Benfiquista julga ter uma opinião válida.
Nunca
fui grande adepto do 4-4-2. O 4-4-2 nos dias de hoje não vinga em parte
nenhuma. O 4-4-2 sobrevive hoje em Inglaterra e cada vez em menos clubes. Os
clubes ingleses, quase sempre os que mais gastam e que por isso os que mais
obrigação teriam de ganhar a nível europeu, são clubes que raramente figuram na
primeira linha dos favoritos. O percurso europeu de um clube como o Manchester City (ontem mais uma derrota em casa) devia fazer corar de vergonha Pellegrini.
Nos
últimos 20 anos temos três clubes campeões europeus vindos de Inglaterra, e
curiosamente dois deles foram-no com sistemas de contenção e sempre a apostar
no contra ataque: Chelsea e Liverpool. E o terceiro foi o Manchester United,
num golpe de sorte, sem jogar pevide, numa célebre final contra o Bayern
Munique. A nível de Liga Europa, clubes gastadores como Newcastle, Southampton,
Everton, não contam para as conquistas de troféus.
Nos
tempos do Benfica moribundo, eliminámos Liverpool e Manchester United duas
vezes. Uma outra eliminação histórica, a do Arsenal, isto em tempos em que o
Benfica ainda tinha equipa para dar “algumas” cartas na Europa. Mas isto para
dizer o quê? Que contra clubes ingleses, daqueles que jogam em 4-4-2, qualquer
clube mais pequeno acredita sempre ter uma hipótese: É defender bem, povoar o
meio-campo, e no contra ataque damos-lhes a estocada final.
Mas...
O Benfica joga em 4-4-2. Joga assim desde Jesus, um sistema que a nível interno
mostrou ser eficiente porque jogamos sempre contra equipas muito mais fracas,
mas que contra equipas melhores e mais letais, mostrou sempre ser um sistema
com tudo para nos fazer sofrer.
Mas ainda assim, com Jorge Jesus
havia credibilidade neste sistema: Era o seu, o reflexo das suas ideias, quis
implementá-lo, e como ele sempre dizia: “Difícil,
difícil é defender bem com poucos jogadores, porque com muitos é fácil.”
Ou seja, Jorge Jesus acreditava no
seu sistema, e reconhecia que para o implementar tinha forçosamente de saber
defender melhor do que os outros. Reconhecia a sua fragilidade quando não se
sabia defender, tal como reconhecia que a defesa começava logo no ataque.
Ora,
com Rui Vitória o sistema manteve-se. Não vou dizer que bem ou mal, o tempo o
dirá, mas desde já levanto as minhas dúvidas, começando logo pelo facto de que
até mesmo para Rui Vitória este é um sistema novo, nunca experienciado pelo
próprio em nenhuma equipa sua no passado.
Aqui disse há algum tempo que
acreditava que Jonas poderia ser um problema. Um problema porque é um dos
poucos grandes jogadores encarnados, mas também alguém que obriga a equipa a
jogar em 4-4-2 para ele caber. É um jogador que define o sistema de jogo.
Mas
se o 4-4-2 de Jorge Jesus era um sistema em que Lima era o primeiro defesa,
este 4-4-2 de Rui Vitória sem Lima é um sistema em que Mitroglou não defende e
Jonas também pouco ou nada...
E a juntar a isto, o miolo, a alma
da equipa, é um dos setores mais fracos do plantel. E não é de hoje, nem culpa
de Rui Vitória. Um 4-4-2 precisa de um miolo forte, precisa de jogadores de
passada larga que em poucos passos cubram uma grande parte de terreno. Das 6
épocas de Jorge Jesus no Benfica, quatro e meia fizeram-se com Javi Garcia e
Matic, e outra meia com um Fejsa ainda em grande forma. O ano passado, sem um
“seis” à Jorge Jesus foram evidentes muitos problemas.
Dos cinco elementos do miolo do
Benfica este ano, apenas Samaris parece um jogador acima da média. E acredito
que seria ainda mais acima da média se o Benfica jogasse em 4-3-3. O problema
do 4-4-2 é que Samaris não consegue ser o “seis” perfeito mas também não é o
jogador vertical que por exemplo Enzo Peres era. É um jogador que anda ali a
fazer o papel dos dois, quase sempre sem comprometer, sempre com muito empenho
mas sem conseguir ser um jogador que faça a diferença, pelo menos muitas vezes
seguidas.
E quando se olha para o parceiro
de Samaris, o problema é mais grave. Porque notoriamente, e já desde a época
passada, nem Pizzi nem Talisca conseguem fazer alguma vez um jogo brilhante, e
mesmo quando algum dos dois consegue fazer um jogo melhorzinho nunca o faz dois
jogos seguidos. Andamos há 15 meses a meter num jogo um, no outro o outro,
depois regressa o primeiro, e não saímos disto: nenhum deles tem categoria para
agarrar o lugar.
E
Fejsa parece preso por arames, sem a velocidade que a posição “seis” de um
4-4-2 exige, e mesmo que estivesse em grande forma, no mesmo sistema Samaris já
não seria o jogador que o Benfica precisa porque é um jogador que joga muito
para os lados e pouco para a frente. E Cristante, mais uma vez, parece-me um jogador mais lento e mais cerebral, não talhado para grandes embates físicos e grandes correrias como o 4-4-2 obriga.
Conclusão: Samaris está sozinho a
segurar o meio campo encarnado neste momento. Grande exibição contra o
Belensenses, grande exibição contra o Astana, mas é incrível a quantidade de km
que o grego tem de correr para segurar um meio campo como o do Benfica contra
equipas medianas como estas duas. Samaris não só está quase sempre a correr,
como está sempre a sprintar para apagar todos os fogos provocados por um meio
campo que coletivamente ainda não funciona. Obviamente, não levará muito tempo
a dar o estouro.
O 4-4-2 de Jorge Jesus era um
sistema que assentava num meio campo forte, jogadores de passada larga, um
deles sempre a jogar de forma vertical, e apoiado depois em extremos fortes e
rápidos a galgar terreno o jogo todo. As posições para as quais Jorge Jesus
SEMPRE pediu reforços foram para as alas. Sempre dois a jogar e outros dois no
banco. Porque o futebol ofensivo de Jorge Jesus fazia-se pelas alas. Laterais
ofensivos e extremos capazes de transportar jogo e fortes no 1 para 1.
Mas Rui Vitória nem essa sorte
neste momento tem. Porque com Sálvio lesionado, o único extremo de elevado
gabarito que tem é Gaitan, Gaitan esse que é um jogador fenomenal mas que só
está ainda no Benfica porque sempre foi um jogador irregular, que tanto faz 3
jogos brilhantes seguidos como a seguir tira férias durante um mês. Enquanto
houver "este" Gaitan haverá sempre esperança num Benfica forte, mas sem ele, aí sim, veremos que tipo de
soluções a equipa tem.
Gonçalo
Guedes mostra ainda compreensivelmente a sua inexperiência e não faz ainda a
diferença pelo seu flanco, e quando não houver ala esquerda em tão grande forma
como está neste momento (com Eliseu em Grande), veremos o jogo do Benfica a ter
de se construir pelo meio, onde na minha opinião está a raiz do problema.
O Benfica vem hoje de três
vitórias seguidas o que é sempre positivo, mas vem também de vários jogos em
que já sofreu muito, e sempre a jogar contra equipas muito mais fracas do que a
nossa.
O
4-4-2 é para manter? Julgo que sim, tem de ser. Não se contrata Mitroglou e
Jiménez para juntar a Jonas e deixar dois deles de fora. Mas acredito que muito
em breve Jiménez terá de entrar na equipa para fazer de Lima, e Mitrglou ou
Jonas terão de cair.
No
miolo não vejo grandes soluções, para mim a raiz de muitos do problemas que o
Benfica tem nesta altura, e sem dúvida alguma que o jogo do próximo domingo
dará a todos uma ideia muito mais clara das forças e das debilidades do Benfica
neste momento.